CASAL DO FOZ A TERCEIRA LENDA

Sem duvida, o Brasil é o País do futuro. Há apenas, de não se adiar esse futuro.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

AMOR NA GUERRA

O MÍTICO MORRO DA PEDRE VERDE

No dia cinco de Abril do ano mil novecentos e sessenta e três, todo o Batalhão espalhado por várias Fazendas na região dos Dembos, a norte de Luanda, deixou essa zona de intervenção.
Depois de cumprido ali o tempo de guerra em zona operacional, iria instalar-se mais a sul, onde o serviço era destinado apenas a salvaguardar com a sua presença, a soberania portuguesa no território, enquanto se iria dedicar a uma acção psico-social mais calma.
A verdadeira aventura do Onofre começou logo nessa manhã, no corredor entre o Tari e o Mucondo, num sítio onde se evidenciava uma curva, ideal para os terroristas da UPA, planearem uma emboscada ao Esquadrão.
Aconteceu durante quarenta e nove minutos, estalaram inúmeros disparos, por parte das tropas atacadas em movimento.
Pela única vez o Esquadrão se viu envolvido num ataque de tal envergadura. A estrada tomara o aspecto de uma verdadeira batalha, o armamento disponível já não se usava, mesmo para o tipo de guerrilha a despontar. Era o proveniente da substituição, composto por Mausers e metralhadoras ligeiras.
Onofre, especialista em metralhadoras pesadas, do que sempre fora acompanhado, surpreendeu-se com a destreza evidenciada, primeiro com uma espingarda Mauser, depois a municiar uma metralhadora ligeira, já que o respectivo apontador, a trabalhar individualmente com aquela arma, por muito bom que fosse e provou-o. Funcionando como atirador e a carregar as balas, não podia extrair o rendimento devido.
A nova dupla acabou por funcionar bem pareciam ter treinado juntos a acção, já que o fogo a sair do cano da arma, passara a ser muito denso.
O ataque acabou por ser o mais longo que o conhecido usualmente, em que a técnica usada era o "bate e foge".
Aquele, porém foi muito vasto, era uma retaliação reservada ao 297, uma vez que o Esquadrão tinha sido considerado pelo inimigo, inacessível ao poder militar da força terrorista da região.
Ao avaliar os estragos, houve quem subisse de novo às camionetas e ainda visse fugitivos muito ao longe, a lei da balística contrariava as hipóteses de os atingir, não obstante ainda houve bastante tiroteio, á mistura com contundentes imprecações direccionadas aos "turras" em debandada.
Aconteceu uma verdadeira tragédia de guerra, que se irá contar sem truques de ficção, como é recorrente desta narrativa.
Começa pelo Comandante do Esquadrão, Capitão João Ramiro Alves Ribeiro, a subir à camioneta civil, principal acidentada, a que passava na zona mais nevrálgica atingida por uma granada incendiária. Transportava apenas sacos de campanha, espingardas Mauser e outros pertences de soldados. Tudo ardia e o então Capitão, homem alto, no meio daquela amálgama de fumo tomou a dianteira, trepou e atirou ao solo todo o material em combustão.
Onofre sempre atento a todos os pormenores, pôde testemunhar esse verdadeiro acto de bravura, deixando assim de ficar ignorado, como muitos nas últimas campanhas militares, que a juventude protagonizou em África durante cerca de treze anos.
Foi uma grande odisseia este cinco de Abril, porque se passava o dia mais marcante em más recordações, para todos os intervenientes do Grande Esquadrão.
Quando ainda não havia total conhecimento da dimensão da batalha, em relação à força militar, de outro lado, pode considerar-se actuação de bravura a do soldado Dimas, que com as muitas imprecações evidenciadas, a esvair-se em sangue dos membros inferiores, continuava a disparar, tiro a tiro, com a sua Mauser, em ritmo
Dimas (nome fitício) ficou sempre com
incapacidade num membro inferior

frenético no abre a culatra, fecha a culatra e dispara.
O Dimas já depois de passada a mobilização, ainda se encontrava em Lisboa, a receber tratamento no hospital militar, o que aconteceu durante muito tempo, acabando por ficar com um certo grau de invalidez.
No terreno, muitas observações podiam ser apontadas. O transporte era efectuado por viaturas alheias a serviços de guerra, em campanhas militares. Não obstante a Companhia de Transporte Militares Elefante, que também participava, com camionetas blindadas, ostentando o paquiderme como emblema, a torná-la muito conhecida nos meios.
Debaixo de um desses, um furriel pertencente, com o bronzeado de verdadeiro veterano, manejava a sua arma automática, com perícia, enquanto da testa lhe corria muito sangue. Onofre quase lhe rezara pela alma, felizmente não era caso disso.
Verificou-se que tinha sido atingido, mas só de raspão, o suficiente para sangrar e o deixar marcado por levíssimo ferimento sem consequências.
Um sargento falava para um gravador as suas impressões relativas ao momentoso acontecimento.
Perto, Onofre sempre acompanhado dos inseparáveis papéis e caneta, também tomava as suas notas, para quando possível adicionar ao seu Diário.
Com razoável rapidez chegaram meios aéreos, já desnecessários, mas não deixando de marcar presença com o despejo de alguma artilharia.
Chegou a altura de conferir, não só a devastação, mas tomar conhecimento de outros casos, como o espantoso do Alípio, atirador cuja formação profissional e dotes foram aproveitados para tarefas administrativas.
Por não ter chegado a pertencer à tropa de guerra, foi-lhe destinado lugar ao lado do motorista numa viatura civil. O condutor foi abatido, ao atirar-se para o chão.
Presume-se que o lado do Alipio também estava no ponto de mira, assim que abrisse a porta seria mais uma baixa mortal. Tal não aconteceu, o militar mostrando um coeficiente de inteligência muito elevado, saltou para o lado contrário, ainda que, por cima do cadáver.
No momento seguinte a outra porta da mesma viatura, que não se abrira, foi cravejada de balas!
Anotadas as respectivas baixas, cifravam-se em seis mortos, entre eles o condutor civil e doze feridos.
Reparadas as viaturas acidentadas pela violência, eram quatro horas da tarde, foi retomado o caminho.
O pessoal apenas havia ingerido um madrugador pequeno-almoço.
Uma viatura transportava os cadáveres, a sepultar na Fazenda Mucondo, os feridos já tinham sido evacuados, por helicóptero para o Hospital Militar de Luanda.
O dito " um mal nunca vem só" - nunca terá sido tão bem adaptado. Depois de tudo ordenado reiniciara-se a marcha, por ser época de tempestades tropicais, desatou a chover e ao contrário do habitual, a chuva durou até ao dia seguinte, o que causava enorme lentidão dos transportes.
A certa altura, chegou-se à ex-povoação do Quicunzo e houve necessidade de ser mudada a estratégia da progressão.
Em resultado, a viatura que transportava, os corpos dos falecidos a esmo, passou a formar uma coluna avançada, com escolta própria a que foi adicionada uma outra força, incluindo o próprio Onofre, que nessa noite de seis de Abril, ainda esteve em movimento, andando apenas alguns quilómetros,
Chegou-se á Fazenda Bombo, onde se esperou pela restante componente daquele movimento militar.
Onofre, mesmo sempre debaixo de chuva, talvez por estar esgotado das muitas emoções, dormiu profundamente a apanhar chuva na camioneta civil, em que viajava armado, no serviço de guarda aos cadáveres.
Soldados empurram a camonioneta, em dia chuvoso, com os sadáveres a granel

Chegada a coluna, que tomara a dianteira, à grande cantina da Fazenda, cessara a chuva e a vontade de ingerir alimentos, em virtude do jejum prolongado mesmo os produtos menos atraentes se esgotaram, pelos componentes daquele grupo avançado, que acabou por ignorar o conjunto de militares que o antecediam.
Com a melhoria, evidente das condições atmosféricas, após ser feita a junção das tropas naquela Fazenda.
Foram então os feridos evacuados e a coluna passou a seguir de novo unida até ao próximo acampamento militar do Mucondo, onde estacionara um outro esquadrão da mesma Cavalaria.
Já a sete de Abril os mortos, com a assistência militar disponível, ficaram ali sepultados.
De seguida, foi retomada a ida para o Grafanil, na periferia de Luanda.
Aquela viagem de tragédia, iria passar por estrada alcatroada, trabalho de engenharia militar, coisa que durante treze meses esteve vedada à maioria dos militares que compunham a coluna, como se estivessem a entrar no Éden terreal.
Rumando em estrada pavimentada, logo quase de inicio, deparou-se à esquerda o morro da Pedra Verde, agora pacificado e altaneiro, como um ícone dos alvores do terrorismo, retomado nos mesmos tempos, com foros de heroicidade e a mesma euforia verificada com a reocupação de Nambuangongo.
No mesmo dia, finalmente, por todo o Batalhão reinava uma certa a alegria pela breve passagem a terras de Luanda.
Ia dar-se começo a nova fase da grande aventura do Onofre.

Daniel Costa


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